• Uso simultâneo de imóvel para moradia e comércio não impede usucapião especial urbana

    • 13/08/2020 15:14

    O exercício simultâneo de pequena atividade comercial em propriedade que também é utilizada como residência não impede o reconhecimento de usucapião especial urbana. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de dois irmãos e reconheceu a usucapião de um imóvel utilizado por eles de forma mista.

    O recurso teve origem em ação de usucapião na qual os irmãos alegaram que, por mais de cinco anos, possuíram de boa-fé um imóvel localizado em Palmas. Em primeiro grau, o pedido foi julgado parcialmente procedente para reconhecer a usucapião urbana somente da área destinada à moradia, correspondente a 68,63m² – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Tocantins.

    Segundo os irmãos, a propriedade tem 159,95m², sendo que em 91,32m² funciona uma bicicletaria na qual trabalham com a família. Eles alegaram que, mesmo com a parte maior do imóvel sendo utilizada para fins comerciais, não haveria óbice para o reconhecimento da usucapião de toda a propriedade quando ela também se destina à residência da família.

    Requisitos

    A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a modalidade de usucapião especial urbana é regulada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 183, parágrafos 1º ao 3º, e pelo Código Civil, em seu artigo 1.240, parágrafos 1º e 2º, bem como, de forma mais específica, pelo Estatuto da Cidade.

    Segundo a ministra, essa modalidade de usucapião tem como requisitos a posse ininterrupta e pacífica, exercida como dono; o decurso do prazo de cinco anos; a dimensão máxima da área (250m² para a modalidade individual e área superior a esta, na forma coletiva); a moradia e o fato de não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

    Em seu voto, a relatora lembrou que a Terceira Turma já se manifestou pela possibilidade de se declarar a usucapião de área com metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que regula o parcelamento do solo urbano (REsp 1.360.017).

    Sustento da família

    Nancy Andrighi ressaltou que a exclusividade de uso residencial não é requisito expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que tratam da usucapião especial urbana. "O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família", disse.

    De acordo com a relatora, há a necessidade de que a área reivindicada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas não se exige que essa área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente, como na hipótese em julgamento.

    "Nesse sentido, o artigo 1.240 do Código Civil não parece se direcionar para a necessidade de destinação exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Assim, o exercício simultâneo de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada", afirmou.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.777.404 - TO (2018/0290399-1)
    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    RECORRENTE : GERALDO GILMAR RAFAEL
    RECORRENTE : MARGARETH BRANDAO DA SILVA RAFAEL
    ADVOGADOS : GUSTAVO DE BRITO CASTELO BRANCO - TO004631
    JANIO PEREIRA DA SILVA - TO005327
    ANA PAULA LEOBAS MARACAIPE - TO008626
    RECORRIDO : JOANA BAUM
    RECORRIDO : ROMEU BAUM
    ADVOGADOS : FERNANDO REZENDE DE CARVALHO - TO001320
    MARCIO GONÇALVES MOREIRA - TO002554
    LUANNA MAGALHÃES VIEIRA - TO005660
    EMENTA
    RECURSO ESPECIAL. CIVIL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS
    PREENCHIDOS. UTILIZAÇÃO MISTA, RESIDENCIAL E COMERCIAL. OBJEÇÃO
    NÃO EXISTENTE NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ANÁLISE PROBATÓRIA.
    DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
    1. Ação ajuizada em 20/01/2003, recurso especial interposto em
    28/06/2018, atribuído a este gabinete em 27/11/2018.
    2. O propósito recursal consiste em determinar se, a área de imóvel objeto
    de usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.240 do CC/2002 e art. 183
    da CF/1988, deve ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário,
    se é possível usucapir imóvel que, apenas em parte, é destinado para fins
    comerciais.
    3. A usucapião especial urbana apresenta como requisitos a posse
    ininterrupta e pacífica, exercida como dono, o decurso do prazo de cinco
    anos, a dimensão da área (250 m² para a modalidade individual e área
    superior a esta, na forma coletiva), a moradia e o fato de não ser
    proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
    4. O art. 1.240 do CC/2002 não direciona para a necessidade de destinação
    exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Assim, o exercício simultâneo
    de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto
    do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada.
    5. Recurso especial provido.
    ACÓRDÃO
    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
    Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
    taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
    Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
    nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
    Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
    com a Sra. Ministra Relatora.
    Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)
    MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    Relatora

    Fonte: STJ - Superior Tribunal de Justiça.
    https://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/22897/Uso-simultaneo-de-imovel-para-moradia-e-comercio-nao-impede-usucapiao-especial-urbana